Argumentos acerca do Empirismo Construtivo (Paul Dicken)

Tradução de L. H. Marques Segundo

Deveriam os cientistas acreditar em tudo aquilo que dizem? Deveriam eles acreditar nas afirmações de suas teorias científicas bem desenvolvidas e na existência das coisas microscópicas exóticas que dizem agora popular os alcances inobserváveis da realidade? Ou uma atitude mais modesta perante a investigação científica seria preferível? Numa primeira reflexão, há certamente uma forte intuição de que as nossas teorias científicas atuais são (pelo menos aproximadamente) verdadeiras: afinal, a prática científica contemporânea é enormemente bem-sucedida tanto em termos de previsão quanto de manipulação dos fenômenos empíricos, e — assim se pensa — esse fato seria simplesmente miraculoso se não fosse o caso de nossas teorias científicas atuais nos fornecerem descrições mais ou menos exatas do modo como o mundo é. Seja o que for que se possa pensar sobre isso, a ciência funciona; portanto, deveríamos acreditar que é verdadeira.

Mas a inferência do sucesso científico à verdade científica é uma inferência problemática. Certamente que não há conexão lógica entre os dois, uma vez que é claramente possível que uma teoria científica preditivamente bem-sucedida seja falsa. Tome-se um exemplo da história da ciência, a mecânica newtoniana, digamos. Desde o início, foi uma teoria científica indubitavelmente bem-sucedida que corretamente previu uma gama de novos fenômenos interessantes — de fato, a teoria é tão bem-sucedida que confiamos nela ainda hoje quando tentamos destruir vários destroços em órbita. Mas para os nossos padrões contemporâneos a teoria é também claramente falsa, uma vez que lida com uma gama de conceitos desacreditados tais como os de espaço, tempo e velocidade absolutos que agora viemos a rejeitar. De fato, a história da ciência parece estar repleta de exemplos de teorias preditivamente bem-sucedidas que agora consideramos terem se revelado falsas. E isso suscita uma segunda intuição, mais problemática, sobre a verdade da ciência: se todas essas teorias bem-sucedidas do passado se mostraram erradas, por que deveríamos supor que estamos numa situação um tanto melhor? Os filósofos da ciência na época de Newton presumivelmente se impressionaram tanto com o sucesso preditivo de suas teorias científicas quanto nós, hoje, com as nossas; mas se a inferência que fizeram do sucesso à verdade os conduziu ao erro, que razões temos para estarmos mais confiantes?

Essas duas intuições conflitantes — do sucesso da prática científica atual e da falha da prática científica do passado, respectivamente — colocam o debate filosófico contemporâneo em saber se deveríamos ou não acreditar nas declarações de nossas teóricas científicas contemporâneas. O realismo científico é a perspectiva de que deveríamos acreditar nelas: que as nossas intuições acerca do sucesso das nossas teorias científicas contemporâneas nos dá boas razões para pensar que são verdadeiras; e que o registro histórico da nossa teorização científica é mal interpretado se tomado como colocando em causa a nossa posição epistemológica atual (nossas teorias científicas passadas podem ter sido falsas, argumentam, mas uma vez que também fizeram aperfeiçoamentos em suas predecessoras, a nossa situação atual é efetivamente muito melhor). O empirismo construtivo — uma posição primeiramente formulada, e continuamente associada, ao filósofo da ciência iconoclasta Bas van Fraassen — oferece uma avaliação mais cuidadosa, pois o empirista construtivo acredita em algumas das afirmações feitas por nossas teorias científicas, enquanto simplesmente suspende o juízo sobre o restante. Mais especificamente, o empirismo construtivo é a perspectiva de que “a ciência visa nos dar teorias que são empiricamente adequadas; e a aceitação de uma teoria envolve apenas a crença de que ela é empiricamente adequada” (van Fraassen, 1980: 12). Uma teoria é empiricamente adequada desde que esteja correta sobre os fenômenos observáveis: o empirista construtivo, portanto, só considera as teorias científicas contemporâneas como tendo o objetivo de fornecer a verdade sobre as coisas de tamanho médio com as quais todos estamos familiarizados; e embora essas teorias científicas possam lidar indispensavelmente bem com as coisas microscópicas exóticas que despertaram nosso receio inicial, não é parte da compreensão filosófica da prática científica que tenhamos de acreditar que tais entidades e processos realmente existam.

Leio o texto completo aqui.

Constructive Empiricism: Epistemology and the Philosophy of Science. Palgrave Macmillan, 2010.

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