Tradução de L. H. Marques Segundo
Deveriam os cientistas acreditar em tudo aquilo que dizem? Deveriam eles acreditar nas afirmações de suas teorias científicas bem desenvolvidas e na existência das coisas microscópicas exóticas que dizem agora popular os alcances inobserváveis da realidade? Ou uma atitude mais modesta perante a investigação científica seria preferível? Numa primeira reflexão, há certamente uma forte intuição de que as nossas teorias científicas atuais são (pelo menos aproximadamente) verdadeiras: afinal, a prática científica contemporânea é enormemente bem-sucedida tanto em termos de previsão quanto de manipulação dos fenômenos empíricos, e — assim se pensa — esse fato seria simplesmente miraculoso se não fosse o caso de nossas teorias científicas atuais nos fornecerem descrições mais ou menos exatas do modo como o mundo é. Seja o que for que se possa pensar sobre isso, a ciência funciona; portanto, deveríamos acreditar que é verdadeira.
Mas a inferência do sucesso científico à verdade científica é uma inferência problemática. Certamente que não há conexão lógica entre os dois, uma vez que é claramente possível que uma teoria científica preditivamente bem-sucedida seja falsa. Tome-se um exemplo da história da ciência, a mecânica newtoniana, digamos. Desde o início, foi uma teoria científica indubitavelmente bem-sucedida que corretamente previu uma gama de novos fenômenos interessantes — de fato, a teoria é tão bem-sucedida que confiamos nela ainda hoje quando tentamos destruir vários destroços em órbita. Mas para os nossos padrões contemporâneos a teoria é também claramente falsa, uma vez que lida com uma gama de conceitos desacreditados tais como os de espaço, tempo e velocidade absolutos que agora viemos a rejeitar. De fato, a história da ciência parece estar repleta de exemplos de teorias preditivamente bem-sucedidas que agora consideramos terem se revelado falsas. E isso suscita uma segunda intuição, mais problemática, sobre a verdade da ciência: se todas essas teorias bem-sucedidas do passado se mostraram erradas, por que deveríamos supor que estamos numa situação um tanto melhor? Os filósofos da ciência na época de Newton presumivelmente se impressionaram tanto com o sucesso preditivo de suas teorias científicas quanto nós, hoje, com as nossas; mas se a inferência que fizeram do sucesso à verdade os conduziu ao erro, que razões temos para estarmos mais confiantes?
Essas duas intuições conflitantes — do sucesso da prática científica atual e da falha da prática científica do passado, respectivamente — colocam o debate filosófico contemporâneo em saber se deveríamos ou não acreditar nas declarações de nossas teóricas científicas contemporâneas. O realismo científico é a perspectiva de que deveríamos acreditar nelas: que as nossas intuições acerca do sucesso das nossas teorias científicas contemporâneas nos dá boas razões para pensar que são verdadeiras; e que o registro histórico da nossa teorização científica é mal interpretado se tomado como colocando em causa a nossa posição epistemológica atual (nossas teorias científicas passadas podem ter sido falsas, argumentam, mas uma vez que também fizeram aperfeiçoamentos em suas predecessoras, a nossa situação atual é efetivamente muito melhor). O empirismo construtivo — uma posição primeiramente formulada, e continuamente associada, ao filósofo da ciência iconoclasta Bas van Fraassen — oferece uma avaliação mais cuidadosa, pois o empirista construtivo acredita em algumas das afirmações feitas por nossas teorias científicas, enquanto simplesmente suspende o juízo sobre o restante. Mais especificamente, o empirismo construtivo é a perspectiva de que “a ciência visa nos dar teorias que são empiricamente adequadas; e a aceitação de uma teoria envolve apenas a crença de que ela é empiricamente adequada” (van Fraassen, 1980: 12). Uma teoria é empiricamente adequada desde que esteja correta sobre os fenômenos observáveis: o empirista construtivo, portanto, só considera as teorias científicas contemporâneas como tendo o objetivo de fornecer a verdade sobre as coisas de tamanho médio com as quais todos estamos familiarizados; e embora essas teorias científicas possam lidar indispensavelmente bem com as coisas microscópicas exóticas que despertaram nosso receio inicial, não é parte da compreensão filosófica da prática científica que tenhamos de acreditar que tais entidades e processos realmente existam.
Leio o texto completo aqui.
Constructive Empiricism: Epistemology and the Philosophy of Science. Palgrave Macmillan, 2010.